Dona Ana, um exemplo de vida

Este será sem dúvidas o texto mais difícil de escrever em toda a minha vida, falar sobre minha mãe, a conhecida Dona Ana aqui do Jd. Topázio, depois de 4 dias de sua partida. Mas tenho certeza de sua positividade para exteriorizar a tristeza e a saudade após este desabafo.


Ana Maria Ribeiro, nascida no dia 15 de Janeiro do ano de 1940 as 6 horas da manhã, em Redenção da Serra, na zona rural, conheceu pouco seus pais que faleceram quando ainda muito nova. Sua mãe faleceu após uma picada de cobra (motivo pelo qual minha mãe tinha muito medo de cobra, mesmo se visse na TV fechava os olhos) quando levava marmita para o marido, após dois anos seu pai também faleceu, diante a depressão pela perda da esposa se entregou ao consumo excessivo de álcool. Veio pra São José com seu irmão ainda criança, com 7 anos de idade. Chegando ao município foi deixada na casa de uma senhora por ele, que desapareceu em seguida, só foram se reencontrar quando ela já adulta, mas recentemente disse que não o via há 59 anos.


Não se sabe por qual motivo ele não apareceu mais após deixa-la lá, ela necessitava muito de seu contato, pois era muito judiada, apanhava por qualquer (ou sem) motivo. Dormia no chão, passava muito frio e acabava acordando urinada, mais um “motivo” para apanhar. Fugiu de casa, morou por uma semana na rua sem seus documentos… A mulher que ela morava a encontrou e disse que não mais a agrediria se voltasse pra casa, ela voltou e a violência continuou a acontecer, motivando-a a fugir novamente, seguiu caminhando pela estrada de ferro sem rumo chegando ao bairro Jaguari, sem nada conhecer. Lá pediu pouso a um desconhecido por uma noite, mas acabou ficando por um ano. Após este período ela foi embora, ficando na rua novamente, quando conheceu um senhor que se chamava Joaquim que se seu tornou responsável por um período, mas ele veio a falecer. Ela sempre foi muito grata a ele.


Acabou indo para a Vila Maria para a casa de um tio na rua Minas Gerais, que por ação do destino, hoje minha irmã é casada com o sobrinho da esposa deste tio. Com o passar do tempo conheceu um senhor, um carioca que se chamava Moacir de Siqueira, que trabalhou nos bastidores de companhias teatrais pelo Brasil, e em minha memória seus últimos dias foram de vendedor de pipocas na esquina do Calçadão (ele faleceu em 1986). Acabara o sofrimento. Neste período ela trabalhou com o Sambura (apelido de Moacir) em um clube (se não estou enganado se chamava Bola Branca), mas tinha que se esconder no guarda-roupas, pois ela ainda era de menor, e o juizado de menores fazia rondas ocasionais. Ele tirou sua documentação novamente, já que quando fugiu só saiu com a roupa do corpo. Desta convivência veio um relacionamento, e posteriormente vieram dois filhos, meus irmãos Carlos Alberto de Siqueira e Cristina Aparecida de Siqueira.

Quando se candidatou para vereador.
O sr. Moacir ao centro, quando trabalhou na Faculdade de Direito, na limpeza.


Recordo-me que ela contava sobre este período do clube, o sr. Moacir era envolvido com o carnaval do município (meu irmão inclusive foi Rei Momo em São José), durante a noite ela cozinhava salsichas em sua residência na Dolzani Ricardo 354 (casa recém demolida) e seguia sozinha até o clube na Rui Barbosa com uma grande panela. Os homens na rua XV de Novembro se ofereciam para ajudar, mas na verdade estavam assediando-a, que íntegra, nunca deu confiança.

Ana Maria Ribeiro, Cristina Aparecida de Siqueira e Othail Pires


Aquele relacionamento chegou ao fim, e no início da década de 1970 ela conheceu meu pai, Othail Pires que veio de Minas Gerais, na época era investigador, foi segurança do Luso Brasileiro, do juizado de menores, segurança do Paço Municipal e da Fundação Cultural Cassiano Ricardo, trabalhando também na Galeria Volpi e Teatro Municipal no Shopping Centro (onde ele me apresentou a obra de Swoboda), e no Cineteatro Benedito Alves. Ela trabalhou limpando casas e foi camareira em algumas pensões do município, a que mais me lembro e que a acompanhei em algumas ocasiões foi a da Dona Geralda, na Vilaça. Mas voltando à década de 1970, no dia 24 de Setembro de 1973 eu vim ao mundo. Moramos na Conselheiro Rodrigues Alves, Rubião Júnior, Coronel Monteiro, Nelson D’ávila, Vila Maria, duas casas no Parque Industrial e por fim no Jardim Topázio. Vivemos em família até o ano de 1992, ano em que meu pai nos abandonou enquanto eu prestava o serviço militar. Foi uma época bastante difícil. Ele Faleceu em 2008.

Exame de abreugrafia ok, sem tuberculose e apta a trabalhar.
Crachá da Fundação Cultural Cassiano Ricardo de meu pai Othial Pires.
No Luso Brasileiro com Chitãozinho e Xororó.
Durante a infância em Ubá – MG.


Ela era denominada analfabeta, mas fazia contas muito bem. Em 1986 estudou no período noturno por um tempo, para ao menos aprender a assinar seu nome, e treinava na contracapa dos meus cadernos de desenho.

Sua assinatura será uma tatuagem em mim.


Ela foi uma mulher incrível, com muita autonomia, eu a incentivei em tudo, novos relacionamentos, sair para se divertir, dançar, rir e comer o que quisesse. Quando minha cama quebrou no ano passado (2020) ela ofereceu a dela para que eu não dormisse no chão por um período… Que mulher era essa?

Rua Rubião Júnior em 1980.
Parque Santos Dumont, 1981.


Ela era minha fonte de consultas também, sempre que me deparava com fatos citados no São José dos Campos Antigamente eu recorria à sua boa memória para confirmar o comentário colocado. Cliente do Mercadinho Piratininga desde o início necessitava ir todos os dias e sentia quando em datas específicas ele não funcionava, era uma ótima relação com os funcionários, já que suas amigas contemporâneas já haviam falecido… Esta missão diária haviam embutidas a socialização durante o trajeto, dentro do estabelecimento e o exercício físico.

Minha irmã Cristina e minha mãe Ana, em frente ao Piratininga do Jd. Paulista.
Com os netos Renan e Rafaela.
Com os bisnetos Leonardo e Lucas.
Com minha irmã Cristina e os netos Rafael, Renata e Rodrigo.
Durante o batizado de minha sobrinha Rafaela, com meu irmão Carlos Alberto, Diane e Renan,
Com meu cunhado Adilson Ribeiro.
Com o Tonhão, amigo da família.
Com a bisneta Luiza.
Com sua grande amiga, Dona Filinha, também já falecida.
Aquela biritinha ocasional no Pesqueiro Marson pois ninguém é de ferro!


Posso dizer que toda essa forte relação com o município e essa missão que realizo teve início através de suas memórias e nossas memórias de família, a chama inicial foi ainda nos anos 80, quando comecei a guardar pequenos objetos relacionados a São José. Meu segundo impulsionador foi acompanhar as histórias da velha guarda da cidade no bar do Stellet no Mercadão e em uma padaria da Vila Maria aos sábados de manhã, ouvindo de longe, era um ritual que passei a fazer, ir nestes dois ambientes sozinho para mergulhar em nossa história.

Ela adorava a Feira da Barganha (Feira da Breganha/Feira do Rolo) desde o início, quando na Praça do Sapo, Estacionamento do Jumbo Eletro, em frente ao Paço Municipal, Ao lado do Estádio Martins Pereira e aqui ao lado da Rodoviária Nova, esta era mais uma forma de socialização, mas fazer um rolo era com ela mesmo.

Vencemos. Tivemos uma vida juntos, fomos felizes. No período de pandemia fiz tudo que pude por ela, teve um grande natal, aniversário e Dia das Mães, diante o isolamento foi bastante difícil, ela mal podia receber visitas de familiares, assim como visitar, restava apenas sua teimosia em ir às compras diariamente. Não queria que seu fim, digamos assim, fosse uma reconexão ao seu início, com muito sofrimento, mas em Junho ela adoeceu, estive em sua companhia até seus últimos dias, menos infelizmente no período em que contraí o Covid-19 no hospital (ou no ônibus), um risco inevitável. Minha irmã acabou sendo a única a ficar com ela nesta fase mais crítica, que bravamente seguiu firma acompanhando-a nesta reta final, pois meu irmão não podia acessar a área por risco de contaminação diante um problema de saúde que passa. Foi internada às pressas com pedras na vesícula, descobriu câncer nos seios, pegou pneumonia, bactéria nociva e partiu após muito sofrimento no fim da Sexta-Feira 9 de Julho. Não merecia este fim, mas assim é a vida, sem prêmios ao final, os que circundam é que precisam olhar pela pessoa nesta fase.

Enfim, ela não enterrou nenhum filho, não visitou nenhum deles na cadeia, não foi submetida a nenhum tipo de tortura, física ou psicológica (infelizmente pela irresponsabilidade da vizinhança e seus cães que latem sem controle) da parte de seus filhos, pôde existir neste mundo com muita dignidade e desfrutou do mesmo à maneira dela.

Keith e Lilica.


Comoção na rede social


Eu ainda tinha esperança que ela pudesse ser salva…

Durante o primeiro dia de internação, ficando com ela por quase 24 horas, suas últimas palavras naquele dia foram:
— Vai embora pra casa descansar meu filho!


Dias depois quando tudo aconteceu, cheguei no cemitério para o velório encontrei esta plantinha isolada com 3 flores, na hora que vi a peguei, pois parecia representar seus 3 filhos. Coloquei-a sobre o caixão.


Em nome de seus dois filhos, netos, bisnetos e amigos, tomo a liberdade de agradecê-la aqui por todos, uma mulher que foi um exemplo de dignidade. Quando você chamar uma pessoa de guerreira, conheça sua história antes de nomeá-la como tal, pois há muitos exemplos que são verdadeiros parâmetros de pessoas vitoriosas dentro da tempestade, e a Dona Ana foi.

Ela pediu para alguém escrever uma carta há alguns anos, para ser entregue quando ela partisse, e no dia que o SAMU a tirava de casa, aos gritos, pedia para que eu olhasse debaixo do colchão que ali estaria um caderno deixado para nós…



Sua última foto feita em Maio de 2021.


Um beijo minha mãe, lhe amo muito, a senhora continuará sendo a voz de minha consciência até meus últimos dias.

Traga sua história para ser contada!
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Wagner Ribeiro – São José dos Campos Antigamente



One comentário em “Dona Ana, um exemplo de vida

  1. Linda homenagem! Força, meu amigo! Sua mãe viveu plenamente e tenha certeza que teve muito orgulho de você!

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